Vestígios por Cristiana Tejo

“...Há na arte (...) uma pulsão de aniquilamento, de apagar todos os vestígios do mundo e da realidade, e uma resistência inversa a essa pulsão. Segundo as palavras de Michaux, o artista é ‘ aquele que resiste com todas as suas forças à pulsão fundamental de não deixar rastros’. Jean Baudrillard.
Aline Dias (SC) vem tecendo no terreno da delicadeza uma verve sarcástica que se apresenta de maneira subterrânea, mascarada por imagens que inicialmente mostram-se singelas e meigas, poéticas, mas que num segundo relance, delas emergem elementos de perversidade. Um caramujo aproxima-se de um pequenino boneco de sal. O iminente encontro só revela sua real face quando lembramos que caramujos morrem imediatamente quando em contato com o sal. Em narrativas fotográficas, o mínimo transforma-se em grande.
Os trabalhos propostos para o Projeto Trajetórias 2006 largam-se um pouco do modus operandi desenvolvido pela artista até agora. Suas micronarrativas saltaram da fotografia e ganharam o espaço tridimensional, o que acaba por evidenciar a transitoriedade e fragilidade da matéria e o choque de escalas que tanto se utiliza a artista. Não se trata tampouco de algo essencialmente irônico...O que temos à nossa frente são dois trabalhos que se retroalimentam de significados, estabelecendo uma relação quase dicotômica. A princípio diríamos que os elos são o rastro e o tempo na ausência e presença do volume. Carpet nos ambienta num espaço em que algo está ausente, desapareceu. Talvez um objeto que esteve durante um bom período posto num canto da sala, impregnou-a de memória e se foi deixando como vestígio de sua presença uma marca.
Cubo de Poeira materializa o acúmulo e presentifica a artista. Durante dois anos, Aline coletou a poeira de seu quarto pacientemente. Pêlos, cabelos, unhas, restos inorgânicos e orgânicos que contam um pouco de sua vida foram compactados na forma de um cubo.
Enquanto no mundo lá fora transbordam o excesso, o hiper, o chamativo, o over, avalanches de imagens, informações e ruídos que causam vertigem e descompostura, dentro da galeria há uma aposta na simplicidade, no silêncio, no mínimo, nos vazios para dimensionar justamente o complexo, o discurso, o máximo e o cheio de significado.

(publicado no catálogo do projeto Trajetórias,
exposição realizada na Galeria Baobá, Fundação Joaquim Nabuco, Recife
em 2006)