texto de Fernando Lindote

Aline Dias parece construir seu discurso na iminência da articulação dos repertórios que escolhe para problematizar. Se por um lado podemos perceber a coleção de resíduos do cotidiano, guardados com método e modéstia de recursos; por outra via é evidente uma formalização recorrente da tradição construtivista de chave sintética.

No procedimento compulsivo de guardar restos de poeira, traças ou pêlos concorrem duas atitudes sobrepostas: há uma afetividade nas coisas guardadas, um apego aos restos de um cotidiano valorizado nesse procedimento; mas há também uma pequena quebra crítica que nos distancia do envolvimento emocional e instaura uma delicada ironia. Aline parece estar com e contra a pessoa que guarda e organiza esse acervo inútil. O modo como organiza seu acervo de restos se dá pela síntese formal extrema, pela sistematização rigorosa no espaço expositivo desse material coletado.

Podemos notar então, essa outra ordem de sobreposição presente no trabalho de Aline: sobre os restos guardados de poeira, pêlos ou traças se sobrepõem uma forma rigorosa. E da tensão entre esse material e sua organização visual surge um discurso discreto, difícil e claudicante.

E poderíamos ver nessa dificuldade de instauração de um discurso forte e claro a potência de sua obra, que denuncia de uma vez as impossibilidades tanto de subjetivação do sujeito quanto de transparência da linguagem, num jogo onde a própria Aline e seus procedimentos compulsivos estão implicados. Há afeto e auto-ironia nesses trabalhos.

A obra de Aline Dias nos faz esbarrar nas espessuras leves de restos de sujeira como se fossem barreiras densas de matéria que desarticulam a comunicação imediata do significado. A vocação de transparência e verdade do construtivismo modernista se encontra turvado pela minuciosa engenharia de seus trabalhos, pela irônica e afetiva escolha de seu material e pela apresentação discreta no espaço de exposição.

publicado no catálogo Prêmio Projéteis de Arte Contemporânea -FUNARTE,
exposição realizada em maio de 2008, no Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro.